TINHA QUE SER PRETO
"neste solo latino-americano
lavado com trabalho
e suor de preto
combustível dessa sua paz branca
que vela preconceito" 
FICHA TÉCNICA: 
 vídeo por Colapso/Slam da Guilhermina/Slam Resistencia
Interpretação em libras por MÃO PRETA LIBRAS
com Erika Mota
DATA: 2016
neste solo latino-americano
lavado com trabalho 
e suor de preto 
combustível dessa sua paz branca 
que vela preconceito 
me explica esse teu conceito 
como o dia de trabalho
é dia de branco
se a mão de obra do alicerce 
é do preto? 
nego toda essa democracia racial 
que ainda nos massacra 
não mais servos 
dos seus serviços escravocratas
verão o negro de forma artística 
pois a imagem do negro romantizada 
também altera estatística 
entenda nossas diferenças 
e verá a dimensão do preconceito 
quando são nossas mãos 
que lavam sua panela 
enquanto vocês lavam 
nosso dinheiro 
eu quero deixar bem "claro"
quando "a coisa tá preta" vira culpa 
eu não sou "alvo"
mas a "bala perdida" 
gosta da cor escura 
da cor 
que pinta as paredes da injustiça  
que estampam nossa cor 
nos jornais catastróficos 
registrando etnias  
que não se encaixam 
no teu plano patriótico 
da cor que é escassa 
na sua grade escolar 
na tua democracia 
que mancham suas mãos 
com as luvas da anistia 
da cor que é derramada 
na construção de seus presídios 
pra que suas condições 
sub-humanas 
coloquem lá dentro 
seus filhos mais retintos
das cotas que são ressarcimento
dessa dívida 
que ainda é longe 
de todos os seus privilégios 
que não deixam perceber 
que o atraso de 500 anos 
não cabem em 3 anos 
de ensino médio 
ainda não nos querem no altar 
por não atender padrão beleza   
mas nós somos muito mais 
que um pau grande
um serviçal e uma globeleza 
mas por todas as vítimas mortas
por toda essa gente "feia"
vamos fazer a casa branca 
virar casa preta 
e mesmo assim ainda não vai mudar o fato de ter sido o nosso povo que foi morto
ainda vai ser por causa dos nossos cabelos que seremos demitidos
cabelo esse 
que já nasceu rebelado
raízes que se firmam pro alto
esse que pelo padrão é escorraçado 
por algo que dita ruim
o que já nasceu "armado"
mas continuem ostentando nossa cor nos seus TCCs 
no seu conhecimento de história 
no seu conceito de mais-valia 
e sobre todos os privilégios 
dos herdeiros dos antigos tronos
e mesmo assim nunca entenderão 
qual a dor de conhecer
a geografia de um tronco 
a arquitetura e o design 
de uma senzala 
a taxa de mortalidade 
que comporta uma favela 
as mazelas de ser fácil confundido 
com um bandido 
em qualquer rua ou viela 
e nunca terão noção 
de nunca ter levado uma chicotada 
mas sentir a dor dela
mas nós que somos a semente 
plantada no quilombo 
o sangue que saiu no açoite 
o resquício da senzala 
e o que faziam 
com as negras a noite 
faremos da cor da paz o negro 
e assim pela primeira vez 
poderão dizer
"tinha que ser preto"
e se quiser mais claro que isso 
só se a coisa estiver preta.
Felipe Marinho
Felipe Marinho é poeta, performance, locutor e oficineiro, Autor do livro de poemas curtos “CALYPSO”, assinou a direção de fotografia do curta "ODARA" e trabalhou como assistente de direção nas séries "Irmandade", "Segunda Chamada" e “Pico da Neblina”, é integrante do projeto Afrônt Poesia e pesquisa corporeidade negra e performance dentro da literatura e do cinema.