Mãos à Obra

É pau, é pedra, esse é o caminho
de quem veio do sertão, sem lenço sem documento sozinho
perdido na selva de pedra, acolhido nos barracos de pau
nas ruas de Barro de alguma favela
Infância? não sabe nem o significado dessa palavra
aos 10 anos de idade seu primeiro presente: uma pá e uma enxada
aos 12 teve que tomar uma dose de cachaça
para provar ao seu pai que era um cabra macho
aos 14 foi levado a um puteiro, pois diziam que já era hora dele perder o cabaço
hoje é um tiozinho que assim que o galo canta
as seis ele levanta, ele pega um pote de sorvete e faz sua marmita com o que sobrou
da janta Que a Dona Maria fez, faz e continua fazendo sem caô
não é visão de fazer dela Amélia
mas ela entende o esforço e suor do marido e faz isso com muito amor
juliana Jesus me disse um dia: Realidade que se vive é diferente de realidade
assistida
da ponte pra cá é outras ideias, é outra fita
as oito ele chega na obra, mal começa o dia
e os “peão” já estão se perguntando: falta quanto para meio-dia?
entendo, pois muitos nem tomaram café
e já botam a mão no cimento ainda de barriga vazia
vinte “peão trampando” numa obra
quase todos são negros, um só é branco e adivinha quem é o engenheiro?
sem erro, engraçado, é que nem sempre quem sabe mesmo é quem ganha mais
es ‘’tiw miliano’’ de obra fazendo história
e quem ganha medalha de Honra ao mérito é um ‘’boy’’
que cursou cinco anos de teoria, bancado pelos pais
sem novidades!
massa que vai, concreto que vem
encarregado que puxa saco de patrão na mão dos peões se torna refém
a cachaça escondida é o remédio que ameniza as dores do corpo
mas também é o biotônico para abrir o apetite na hora do almoço
esquenta a ‘’bóia’’ e senta no chão, pega a coxa de frango com a mão, garfo não!
eles gostam de comer de colher, lambe os beiços, bucho cheio
trinta minutos para tirar um cochilo e antes de voltar para despertar um copinho de
café
e é ‘’ca fé’’ mesmo que eles seguem para poder continuar
pois ainda é uma da tarde e até as cinco tem chão
muito chão para quebrar
marretada dada, suor pinga na calçada,
experiência de peão não se comprova com carteira assinada, mas sim, nas mãos
calejadas
o cigarro é tão essencial quanto as ferramentas de ‘’trampo’’
as vezes o “nego véi” nem é fumante, mas mata dez minutos no descanso fumando
mete o louco mesmo, para cima dos patrões e das grandes empreiteiras
o que é atrasar alguns meses de obra, cujo o dono contribuiu para o atraso de sua

vida inteira?
Mãos à Obra!
na obra, ninguém tem nome, mas todos tem vulgo é o
Ceará, Piauí, Bahia, o Maranhão e o Pernambuco
vai dizer que nordestino é preguiçoso? isso é até o insulto!
eu não julgo, as ‘’minas’’ passa, os peão comenta, e eu vou fazer o quê?
como eu vou explicar o machismo para quem o estado não fez nem questão de
ensinar a escrever?
“Pera aê” faz favor!
tem quem gosta de fudê o oprimido que já está fudido
mas não vejo nada contra o opressor
tem que ver direitinho, tem que estar vendo
eu vou cobrar sim, da minha geração começando por mim mesmo
valeu Zé, Valeu João, valeu Chico, Valeu Raimundo
criam seus netos, sustentam seus lares, cheios de orgulho
eu já dei um salve nas crianças poetas da rua
hoje o meu salve, vai para os tiozinhos da Vila
que, entre o cimento, o sorriso e o lamento
nunca deixou de lutar e honrar sua família.